Enfrentar preconceitos e cobranças, olhares espantados e outros de incompreensão (ou pena?)
Envelhecer é um processo que leva anos, passa por momentos de ansiedade na adolescência quando queremos ficar mais velhos e independentes. E aí vai, vai, faculdade, carreira, maternidade e de repente - velhos. Poucos falam, sou velho e sim, estou ficando velho, parece que os dois fazem sentido, estou velho e ainda envelhecendo.
Envelhecer, ser velho, é bom? Sei não, não é escolha, é consequência da vida e o que dificulta é a percepção dos mais jovens e também daqueles velhos que se sentem diferentes dos outros, ou não se identificam como velhos. O mercado de trabalho o rejeita, sua opinião pode deixar de ser tão importante, e isso é incompreensível, quando se tem mais conhecimento, vivência, cultura, experiência, deixam de considerar você.
E os olhares que você começa a enfrentar? Maldosos! E como lidar? Aí vem um pouco de mim e do Joca, todos têm suas histórias e memórias, cada um do seu jeito, oportunidade, escolhas. O estranho é que quando você se coloca como velho, as pessoas discordam. Constatei isso quando uma empresa de fraldas geriátricas, estava procurando histórias de pessoas acima dos 50 que fizeram algo diferente para a idade. E como eu havia passado um ano em Moçambique trabalhando para ActionAid, acharam isso legal para a campanha. Os comentários que fizeram quando a campanha entrou no ar, diziam que a história era legal, mas que não representava o envelhecimento, que eu era muito nova para a campanha. Ao mesmo tempo, quando eu estava no processo e entrevistas para seleção para Moçambique, fui questionada sobre a minha idade, se havia algum impedimento, como na locomoção, morar em prédios sem elevadores e por aí vai, porque minhas colegas de outros países estavam com seus 28, 30 anos. Acho que estas situações são como os negros quando solicitam cota e ouvem: você não é negro, se for assim, quase todos nós somos e temos direito. E assim acontece com o deficiente, com os portadores de algumas doenças, nós velhos, estamos sim, dentro das contradições dos excluídos.
E aí? O que fazer? Voltando para minha realidade: com mais ou menos 55 anos, comecei a perceber esses olhares, as dificuldades no trabalho, as cobranças. As pessoas que diziam que os mais velhos deveriam liberar as vagas de trabalho para os jovens, ou as vagas das universidades públicas. Faziam as contas, com essa idade qual a expectativa dele de exercer a sua profissão? Isso é maldoso. O assédio comercial ia em via contrária, te oferecem crédito em banco, imóveis... Parece que os velhos que parecem ter um pouco mais de dinheiro têm algum valor nesse mercado. Mas o jeito é o velho ter consciência da cultura mesquinha que os dominam e reagir à sua maneira. Assim fizemos!
Vão te sugando, te esvaziando, você começa a ter que se sujeitar para manter o emprego, o qual o salário já não é tão bom assim, sempre demos aulas (professores), eu nos últimos anos era minha profissão por gosto e determinação. O Joca como sempre gostou da vida acadêmica, acabou conciliando com o empresarial (ainda bem), porque com seus 55 anos, levou um puta tombo, e como tinha um cargo de diretor executivo, o mercado sumiu sob seus pés. Luta, decepção, tristeza, descrença e mais um monte dessas palavrinhas o fizeram encarar outra realidade. E como ele também gostava da academia, e com mais tempo para se dedicar, mudou sua pretensão. Ainda bem que tínhamos feito um pé de meia e nossos dois filhos já estavam independentes, moralmente, socialmente e financeiramente. E ficamos uns velhos que desejavam uma vida livre, independente. Nossa pretensão não é uma “Ferrari”, nossos sonhos são mais fáceis de serem realizados.Ok, temos que tomar uma decisão, está faltando algo para nossa realização, a academia já não é a mesma, morar em São Paulo, mesmo adorando a cidade, também começou a se esgotar, estávamos embrenhados nos mesmos caminhos, a mesma rotina. Olhávamos um para o outro nos domingos entediantes e dizíamos: temos que morrer na praia, ideia antiga, sempre adoramos praia.
E aí veio a virada, pedimos demissão dos empregos, vendemos o apartamento onde morávamos e como já conhecíamos a Bahia, decidimos mudar para a Praia do Forte. Aqui, ao invés de condomínio, escolhemos ficar próximo da vila, porque queríamos estar perto das pessoas e também do mar, perfeito. Lugar tranquilo, contato com a natureza, viagens. E também os filhos sentem mais prazer em visitar os pais, trazer seus amigos... E a gente está se preenchendo deliciosamente bem.
Decisão intempestiva para muitos, enquanto outros nos parabenizavam e diziam que nossa decisão apesar de não ser fácil no Brasil, poderia mostrar que era possível. Buscar nossa independência e liberdade na maturidade era uma conquista que misturava medo, sonhos, coragem. E ao mesmo tempo resistir à possibilidade de cair na submissão do enfado e aceitar se render aos estigmas predominantes de uma cultura excludente. Encarar a velhice é vital para que possamos perceber a beleza do que temos em nossa volta, amar com menos exigências e contemplar um tempo mais lento.
Envelhecer era algo que me perseguia, comecei a me ver com pena de mim mesma nas pessoas mais velhas. Era um futuro desconhecido que parecia totalmente frustrante, talvez porque meu olhar estava mais para aqueles que se mostravam tristes. O espelho se tornou inimigo, o meu primeiro susto foi quando me debrucei em um espelho, uau, sou eu com tanta pelanca caindo pela cara, minha pele se descolou e desceu formando um segundo rosto. Foi aí que decidi não me debruçar mais nos espelhos, é melhor olhar para eles frente a frente em uma parede ou armário. A pele é traiçoeira, ela começa a despencar muito cedo, constante e lentamente. Mas aí vem a aceitação, uma serenidade com dignidade, um controle maior do seu querer.
Você tem que exorcizar a ideia da morte, porque na verdade o que atormenta é o medo do sofrimento no envelhecimento, mesmo você estando ainda “nova” para tais pensamentos e tormentos. O medo do futuro, é o medo de estar como muitos dos nossos velhos, os amigos que já começam a ter dificuldades e remorsos ao lidarem com o envelhecimento dos pais. E aí você antecipa o tempo e se vê no futuro.
É duro saber que daquele momento para frente a morte se aproxima e quão profundo isso bate na sua cabeça... Como controlar essas ideias avassaladoras? Talvez seja com serenidade e percepção de tudo o que você fez, construiu, colaborou e se sentir com dignidade e em paz. E o gostoso é que a gente vai se acostumando com a nova roupagem, as rugas já não incomodam tanto, a saúde está bem e o físico responde bem aos comandos. Acabei de fazer 60, considerada novíssima para alguns e totalmente velha para outros, isso já não faz a menor diferença, sinto muito prazer em ter meus 60 anos, ao contrário do que poderia ser o terror da minha pior transição de décadas em décadas.
O Joca faz toda diferença nessa transição, temos a mesma idade e ansiedades, desejos e também muitos gostos em comum, ficar velho com companhia, acho que fica bem mais leve. Os sustos são os mesmos, como quando o Joca decidiu raspar a barba já branca depois de muito tempo e, opa, a pelanca no pescoço assustou. E também temos um grande carinho, sempre que a percepção de beleza nos envolve, rasgamos elogios um para o outro, ah, e são sinceros, da mesma forma se não gostamos de alguma coisa. E brigamos ainda, já bem menos agora, e nos perdoamos mais rápido. Deve ser a tal da maturidade nos favorecendo. Estamos aliviados, enfrentado bem a velhice e também já tirando proveito dos nossos direitos constitucionais, o que acaba sendo divertido, como o cartão do idoso para estacionamento, as filas menores e preferenciais, ainda estamos nos adaptando.