Contagem regressiva
Joca Junqueira
Não quero morrer, mas quando se chega aos sessenta com uma vida plena, a morte passa a ser uma realidade bem palpável. De que forma? Quando? Onde? Não sei. Não sei responder a estas questões, mas tenho a curiosidade, ao menos, de tentar imaginar as respostas.
Ainda hoje, aos sessenta, tenho medo da morte. E agora com a pandemia pode ser o terror por ser perder em um leito de um hospital qualquer. Respeito o desconhecido, mas tenho receio. Como não quero o sofrimento, nem para mim nem para ninguém, alguns cenários tornam-se possíveis.
Podemos fantasiar, brincar com a certeza do fim da existência. Como se fosse possível escolher com ternura e lucidez a forma ideal da partida, talvez assim, como acontecem em alguns nascimentos.
E aí a gente tenta determinar o indeterminável e segue pensando, que se for para perder a consciência, melhor que seja algo rápido. Não quero perder minhas memórias e raciocínio e quero ser lembrado como alguém que passou bem por este momento. Consciência e independência física. Boas memórias dependem da não intensidade de maus momentos. Ah, como seria bom pré-determinar mesmo o óbvio. Fazer com que meus últimos momentos sejam conscientes e agradáveis, como apenas uma calma dissociação do corpo com a alma, em alguma atividade prazerosa.
Não estou abordando a morte como se a estivesse desejando, e parece que estou aqui me desculpando pelo tabu que todos têm sobre o tema. É senso comum que quem fala da própria morte, é depressivo, com instintos suicidas. Não. Quero viver intensamente todos os anos, dias, horas, momentos que me restarem, acho que a discussão não é com a morte, mas sim com a vitalidade que a maturidade possa nos dar. Percebo que ter lucidez sobre nossos caminhos, facilita não entrar em uma espiral de desistência, monótona, previsível e determinística - estamos envelhecendo e com risco de ficarmos presos a um futuro que não nos agrada.
É melhor encarar o inevitável e procurar alternativas construtivas, que nos tragam felicidade e esperança com o que ainda pode vir.
Mesmo depois de um ano em que a nossa mente foi abduzida por caixões, corpos em containers, caos, desrespeito com a vida, com os velhos, com os pobres, possamos recuperar a esperança e a crença na humanidade.