Venância trabalhava na casa da minha irmã e tinha o dom de transformar chuchus e outros parcos ingredientes em maravilhosas iguarias. Não era a única. Minha sogra também era capaz de abrir uma geladeira, onde eu só enxergaria o caos, para dali tirar o necessário para lambermos os beiços por vários dias, tamanhas eram as delícias que fazia. Farofa de jiló é um exemplo. Alguns tolos podem torcer o nariz, mas é de se comer de joelhos, pelo menos, a feita pela Dona Rosarinha.
O milagre da Venância era com os minúsculos camarões do Paraibuna – o que minha irmã e meu cunhado podiam comprar no início da vida, mas se Ana Maria Braga os provasse saltaria para debaixo da mesa, extasiada com tanto prazer. Claude, igualmente, soltaria um delicioso “que marravilha”… Tenho muita saudade desses sabores, sobretudo, depois que “sobrevivid” e recuperei o paladar. E pena que também não é possível retornar àqueles bons tempos sem máscara que se foram.
Não sei se os camarões do Paraíbuna nadavam em mercúrio e em geosmina. Nem se os jilós eram cultivados com diclorodifeniltricloroetano, DDT para os íntimos. Não importa. Venância os fazia magnânimos, assim como minha sogra me encantava com o que eu imaginava ser comida de passarinho. Aqui em casa, bonne santé oblige, somos adeptos de ovos caipiras e produtos orgânicos, mas, afora nuances de sabor e meios de produção mais honestos, me pergunto de que adianta sermos gastronomicamente corretos se o resultado for o de vegetarmos até os 110 anos de idade. Tenho apetite para viver muito, mas tem que ser muito e bem. Se a qualidade de vida não for razoavelmente boa até o fim, que a permanência por essas bandas seja menor. Portanto, um pouquinho de agrotóxico no tomate pode ter o seu valor. Tudo é relativo. Somente os camarões do Paraibuna da Venância e a farofa de jiló da minha sogra são absolutamente divinos.