VULTOS DE UMA VIDA SEM SABOR
Rose Junqueira
Será que para navegar bem na maturidade eu só tenha que aprender a me tornar um vulto? Aquele que não incomoda, que passa apenas uma sensação de tê-lo sentido, visto no contentamento de alguém que só quer uma presença inócua, muda, de alguém que não incomode. Conviver com indivíduos que não querem ouvir, ou se tudo que se fala é mera repetição do acaso, do passado e do presente e retrocedida do futuro, uma repetição contumaz dos casos, contos e das conversas mundanas.
O que se espera da convivência, dos encontros com os amigos? O tédio da repetição de gestos, falas, olhares que denunciam o pouco interesse por cada um ali presente, a disputa por uma fala? Isso pode ser o envelhecimento das relações, quanto mais se vive, mais fechado fica o círculo de convivência em que o ser vai se enveredando. Tudo parece estar dentro de você, na sua alma já calcificada e expandida, nela parece que tudo já foi visto, vivido, lido, observado. As imagens parecem estagnar na sua mente, de forma que fica difícil distinguir o presente do passado, uma paisagem nunca vista pela realidade, se torna difusa em sua mente pela sensação de já ter nela penetrado.
Quando se vive muito, sabe-se muito, bebe-se muito, lê-se muito, vê-se muito, sente-se muito, se engana muito... tudo é conhecido, previsível, mas nada mais entediante do que as repetições das mesmas lembranças, é como se o tempo parasse em um determinado momento e a partir dali não se teve mais uma visita do novo, do inusitado, das mais belas sensações do viver.
Quero aprender a sonhar, sonhos reais, navegar por eles e me tornar parte da realidade, conversar com pessoas interessantes, falar coisas novas, viver o sabor de se trocar ideias incomuns, irônicas, sem a preocupação da repressão, do desprezo, do tédio do ouvinte, agoniado por desinteresse, embriagado apenas pelo seu próprio protagonismo. Ou também, porque aprendeu rápido a se interessar apenas pelo seu próprio universo, ficando distante e alheio aos comentários do outro. Nada lhe interessa, com um olhar perdido, se esforça para disfarçar o desinteresse, um ser já isolado em um mundo que apenas a sua alma lhe interessa e com ela ele vive o mundo que lhe amolda melhor.
Envelhecer com sanidade não é uma empreitada fácil, ela requer sabedoria, resistência e conhecimento da alma, tanto da sua, quanto das alheias. É necessário desculpar, perdoar e quem sabe fingir um pouco para se adequar. A batalha pelo sabor, pelo inusitado, pelo novo, pelo surpreendente, é incansável, é dela que se desprende o desolamento do que se encontra no entorno humano.
É claro que temos entornos melhores, mas eles ficam mais distantes, escassos, pela própria limitação do espaço em que os velhos vão ocupando. Eles se tornam restritos e isolados, talvez por uma resistência ou pelos conceitos já preconcebidos. Acabei de receber uma história em que diz: “não deixe o velho entrar em você”, não vejo concepção nessa frase, pelo contrário, o velho tem sim que entrar em você, e com muita determinação para que se tenha o real trato da alma, desse ser divino que nos tornamos, só temos que entender sua dinâmica e quem sabe contaminar toda uma geração para a realização de um caráter exclusivo, sonhador e realizador, em que, os encontros, as relações fiquem mais prazerosas, sem o estigma de se viver em memórias do passado.
Vamos para as ideias novas, para as gargalhadas espontâneas, para os longos papos, sejam eles cabeças ou joelhos, não importa, a gente (nós velhos) tem é que se encontrar para saborear tudo isso e continuar essa jornada com vivacidade entre amigos, parceiros, que se despertam para o entusiasmo tanto em si mesmo como nos outros.