A gente, quando é jovem, tem a ilusão de que não vai envelhecer nunca, é como uma realidade tão distante que parece que nem vai acontecer. Nessa idade, estamos tomados pelo arquétipo do herói e a identificação com a potência, que muitas vezes chega à onipotência e até mesmo a inconsequência, é total. Quando estamos acompanhados de nossos pares então... Cada fase tem suas características, concernentes às necessidades daqueles momentos. Eu já tinha passado dessa idade, mas ainda não tinha tomado consciência. E é mesmo um desafio, pois o envelhecimento do corpo e da mente parecem não seguir a mesma linearidade. Enquanto uma informa que a juventude ainda está viva, o corpo, ainda que timidamente, começa a assinalar que já não é bem assim. Já não me lembro quantos anos tinha, quando, caminhando pelas ruas dos tempos ainda analógicos, fui interpelada por um grupo de adolescentes e uma delas me disse: “Tia, pode me dizer as horas?” Essa situação banal parece ter chegado como uma bomba no meu estômago, centro do Ego. Devo ter demorado para tomar prumo, pois a simples pergunta, trazia consigo um substantivo com o qual eu não me reconhecia: tia?!? Olhei para o grupo e ainda não conseguia me sentir assim tão distante deles para ser colocada nesse outro patamar. Respondi o mais rápido que pude e para minha sorte estava no caminho do mar, velho companheiro, especialmente para momentos complexos.
Sentada nas pedras, fiquei imersa naquela situação, ruminando as palavras incomodativas. Junto com a água revolta, o espaço democrático da praia me trazia crianças, trabalhadores, idosos, jovens, gente de todas as cores e formatos, perfis infinitos numa interação alegre e leve. Talvez essa tenha sido a melhor resposta que eu precisava ouvir ali, me colocando no devido lugar. Aceitação da transformação não é algo automático. Foi como se tivesse sido acionado um botão de mudança de rumo e posicionamento, mas que só paulatinamente começaria a funcionar efetivamente.
Depois creio que comecei a observar a juventude com outros olhos. Às vezes me incomodava com sua balbúrdia e necessidade de chamar atenção, outras, perdia a paciência com a sua dispersão, motivos que me fizeram perceber que eu realmente já ocupava outro patamar, já não estava misturada com aquele “bando”, por isso tinha uma visão crítica, porque afastada deles. Então ser chamada de “tia”, coisa que começara a se repetir, soava doce, ouvia já num lugar de quem era reconhecida como alguém que tinha uma bagagem a oferecer e me sentia confortável ali.
Talvez a beleza do viver venha embrulhada em papéis de presente que vamos abrindo à medida em que "passamos as fases", e cabe a nós saber fazer o melhor com o conteúdo da caixa. Há presentes que detestamos e acabamos percebendo algum tempo depois sua função, e até gostamos mais tarde deles. As mudanças vindas com a idade são bem assim.