A gente já nasce com o demônio por dentro, já nascemos em pecado herdado por Adão e isso nos coloca em submissão a Deus. Quem não é batizado? Ah, esses são pagãos, vão para o inferno de cabeça para baixo soltando fogo pelas ventas. Meus filhos não o são, deixamos para que eles escolhessem com a maturidade, isso causa estranheza nos outros.
Vivi durante um bom tempo da minha vida lutando com Deus e o Diabo, era uma tortura, o Diabo que me tentava em sua mais cruel perversidade e se você caísse na tentação, além do arrependimento, confissão, você ainda tinha que pagar com penitência. Era a forma execrada que as mães encontravam para educar os filhos, jogando a culpa em Deus e no Diabo, era mais fácil do que lhe ensinar entre o certo e o errado, a moral e a ética. Era o Deus que queria um bom comportamento e o Diabo que lhe tentava e punia, Deus caso você se arrependesse, poderia lhe perdoar e assim você se livrava do inferno.
E a consciência? Você pequenininha pensando como tinha sido má com seus irmãos, colegas, pais, se causou algum dano a alguém, se deixou a mamãe triste, se desejou o mau para o outro. Tudo era pecado, palavra mais ouvida na minha infância, fácil amedrontar uma criança com as piores imagens do Diabo, para que ela fosse boazinha, educadinha, se comportasse bem. É claro que era ignorância dos nossos pais. Não podemos culpa-los por terem induzido no nosso imaginário coletivo a figura do Diabo, mau, vingador, punitivo, com seus enormes chifres e rabo grande, uma aparência quase que de um bode gigante que anda com duas patas, como é colocado por Arthur Clarke no livro: O fim da infância.
Era assombrada a noite com imagens de um inferno em brasas e o diabo vingativo, me cutucando com seu tridente manipulando meus mais pueris sentimentos de culpa, enquanto Deus era onipresente, onisciente, onipotente, era simplesmente Deus, não tinha que ser mais nada.
A consciência ficava em eterno conflito, o Diabinho de um lado e Deus de outro, as provocações não cessavam, o Diabo estava sempre nos instigando a cometer algum pecado. Isso na ingenuidade da criança que vivia aterrorizada em ser queimada no inferno. Ainda bem que existiam os anjos, no meu quarto tinha um pendurado na parede. Nossa salvação para exorcizar o demônio com a frenética oração, que quase por milagre, nos livravam dos nossos piores pecados e nos protegiam de toda maldição.
Minha mãe foi extremamente católica e nos forçou a ir à missa aos Domingos, fazer a primeira comunhão, confessar todos os Sábados (tinha que inventar pecados), era uma agonia. Todavia, hoje ela com 91 anos já não é mais a mesma, a idade leva a memória, e com ela vai o Deus, o Diabo, o pecado e tudo que fez parte de um passado.
E assim crescemos, amadurecemos e conseguimos entender melhor essa relação entre Deus e o Diabo, que tanto nos aterrorizou na infância, e conseguimos até brincar com ela. Fazer piadas com o Diabo é mais fácil do que com Deus. Deus continua assustando, você não quer ofendê-lo, é sagrado, está acima de tudo e de todos, então é melhor não brincar com Deus. Se não puder adorá-lo, é melhor deixá-lo em paz, inerte em seu lugar de sempre.