Todo caçula que se preza não envelhece. E assim eu me imaginava até pouco tempo atrás, habituado a ter meu nome chamado no diminutivo numa família grande em que todos eram mais velhos. Mas vieram os sobrinhos, a filha, os sobrinhos-netos... E a transformação imposta pela passagem do tempo começou a dar sinais mais nítidos. Além do aspecto físico, surgiram algumas frescuras, exigências que não existiam. Foi-se o tempo em que Sonize e eu, ao viajarmos, contávamos as moedas, não nos furtávamos a dormir em espeluncas e pegávamos trens noturnos para economizar a diária do hotel. Como não lembrar com deliciosa nostalgia do Mimosas, em Nice, a oito dólares a diária e cujo dono, com pena da minha companheira, nos deu a chave do seu banheiro? O do corredor era ruim demais...
Por outro lado, não me recordo de outros registros do passado, como o da última cerveja Itaipava em lata que bebi, do último vinho de garrafão e dos bares e restaurantes que admitiam as moscas sem reserva. Será isso, envelhecer? Tornar-se exigente demais com a vida? Não creio. Antes, isso denota envelhecer mal, perder a simplicidade que pode nos assegurar os maiores prazeres. Tudo bem que passou a época de colocar o fígado em risco, mas o essencial é continuar a planejar as aventuras possíveis, os bons encontros e cultivar as boas relações. A cerveja pode não ser a melhor, mas sempre poderá ser gelada!
Outra caçula da família, a irmã mais nova da minha bisavó Lisu, escondia a idade. Era tia Fanquinha, que não admitia ter um ano a mais que o marido. Mas o tempo passou rápido, o companheiro se foi, e, meses antes de completar 99 anos, reuniu a família para revelar um grande segredo da sua vida. Envergonhada, disse que não completaria 99 anos no mês de dezembro seguinte. Na verdade, nascera em 1884 e não em 1885! Ela faria 100 anos e, essa menina, a caçulinha de mais de 99, não queria deixar escapar a façanha. Não deixou! Teve a “nunca sonhada” festa do centenário, ao lado dos filhos, netos e bisnetos. Teve uma vida simples e feliz e deve ter curtido envelhecer... Minha mãe disse que ela morreu quatro anos depois, na flor da idade.
Também conheço pessoas que rejuvenescem com o tempo, que ficam mais jovens depois dos 50. Menos caretas, menos rígidas, mais bem resolvidas. É certo que determinadas circunstâncias são cruciais, como a saúde pessoal e o tamanho do contracheque, que paga pelas coisas que tem preço. Também há tragédias pessoais, que apagam todo o romantismo possível do envelhecimento e da hora de se fazer o balanço de uma vida ou o seu prognóstico. Sempre peço à Sonize que jamais permita que eu tenha uma vida ligada a fios, tubos ou drogas pesadas. O único fio ao qual me permito estar ligado é a coleira do Cuscuz, nosso cachorro. Mas nada disso será necessário! Nem mesmo um passeio pelas falésias de Étretat, como no filme Monsieur & Madame Adelman (a conferir). Os pensamentos positivos têm muita força e, no mais, é manter uma boa conexão com a natureza e cultivar o afeto das pessoas, mesmo que não dê para ter uma casa no campo, do jeitinho que a Elis cantava.
Rio, 18 de novembro de 2020
De Mauro
Para Rose e Joca, com carinho.