Bundas livres!
Rose Junqueira
Maria Rita na música Pagu: “Nem! Toda brasileira é bunda”
Gilberto Gil, Palco: “Subo nesse palco, minha alma cheira a talco, como bumbum de bebê, de bebê”
A bunda pode representar desde a maciez, a pureza, a suavidade na ingenuidade de um bebê, como a tara dos homens pelas bundas alheias, aquelas que representam a malícia, cobiça, assédio, desejo, invasão, desrespeito...
Nos anos 80, era comum quando nós mulheres passávamos em frente a uma construção e os trabalhadores empoeirados pelo cimento, tinta, ainda tinham a disposição para saracotear-se com toda mulher que em frente a construção passava. Naquela época chegava a ser hilário. Se a mulher encarasse numa boa os "fiu-fius" que eram entoados em coro, tudo bem, mas se não... eles nos maltratavam.
Uma vez passando por uma obra com óculos escuros e me rebelando aos assobios, um deles falou: “Só vê cabelo, dente e uma bunda seca.” Pode? Com minha amiga em outra situação com a mesma rebeldia, falaram: “Se eu tivesse uma bunda dessa não teria coragem de sair de casa.” Eles sabiam nos sacanear ou se déssemos um sorriso, nos elogiar marotamente.
Tudo era ingênuo comparado com as bundas cantadas no funk versão brasileira, elas podem ser poderosas, um dom, remelexo, potranca, parece baixaria, mas as meninas se entendem e fazem o que querem com o seu bumbum. Alguns gostam, outros odeiam, mas isso não faz a menor diferença para quem compreende. Eu? Eu não entendo nada!
Mas as bundas sempre foram manchetes, basta uma mulher dar um mole e lá está a foto estampada na mídia, e a audiência, depende de quão famosa a dona daquele bumbum é. A bunda também pode nos deixar na mão, o pai do meu marido dizia: “A quem muito Deus dá, muito será cobrado”, e parece ser isso mesmo. Meu marido mesmo ficou desconcertado com os comentários de sua mãe (mãe passa vergonha na gente, e quanto mais amigos estiverem juntos, mais elas se realizam em sacanear). Bem, ela disse que o filho tinha um bumbum invejado pelos amigos da escola e que agora estava com ele caindo, como Deus é injusto.” Isso é coisa que mãe diga? Tudo parece cair com a idade!
Todos nós temos uma, do jeito que Deus mandou, alguns consertam, recorrem à implantes de silicone, exercícios... fazem o escambau para ter uma bunda maior. O que os homens têm que entender é que elas podem fazer o que quiserem, a bunda é delas e ninguém pode tocar no corpo de uma mulher sem que ela queira. Só a mulher que já passou por esse constrangimento sabe o asco que sentimos.
Estava em uma pizzaria em São Paulo, eu, meu marido e um casal amigo, estávamos sempre juntos, mas nesse dia, não sei o que deu no filho da puta, que, quando estávamos saindo do restaurante, ele disfarçadamente pega na minha bunda e aperta. Fiquei sem ação, a esposa dele e o meu marido estavam ali juntos, olhei para todos e não falei nada. Como me arrependo de não ter lhe dado um tapa na cara. No carro falei com meu marido, ele puto e eu com um sentimento inexplicável de violação da minha intimidade em um ato libidinoso, abominável. A invasão é tão intensa que a gente mantém na memória para o resto de nossas vidas. É claro, cortamos a amizade, pena que tenhamos feito só isso e não desmascarado o agressor. Acho que toda mulher tem uma vivência parecida para contar. Temos bundas, temos peitos, e eles são nossos e tem que ser respeitados. Homens parem!!!
As bundas têm dignidade, graça e para florear deixo aqui o poema de Carlos Drummond de Andrade:
A BUNDA QUE ENGRAÇADA
A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
Não lhe importa o que vai
pela frente do corpo. A bunda basta-se.
Existe algo mais? Talvez os seios.
Ora – murmura a bunda – esses garotos
ainda lhes falta muito que estudar.
A bunda são duas luas gêmeas
em rotundo meneio. Anda por si
na cadência mimosa, no milagre
de ser duas em uma, plenamente.
A bunda se diverte
por conta própria. E ama.
Na cama agita-se. Montanhas
avolumam-se, descem. Ondas batendo
numa praia infinita.
Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz
na carícia de ser e balançar.
Esferas harmoniosas sobre o caos.
A bunda é a bunda,
rebunda.