Lembro de ouvir, em um discurso de formatura que ficou famoso na voz de Pedro Bial, algo parecido com a afirmação que as pessoas mais interessantes continuavam, depois dos 40, sem saber o que queriam fazer da vida. Bingo! Ainda bem. Validação Global. Ganhei três estrelinhas!
Lembro também de, aos 33, ter tido um certo incômodo em relação a quem eu vinha me tornando e a quem gostaria de ser. Mudei os caminhos. Com a ingenuidade conferida pelos 33 anos de estrada. Depois, com uma bandeira um pouco estoica e um outro tanto pragmática, fui levando o inevitável envelhecimento como um fato consumado, e só.
Depois dos 55, assim como depois daquele beijo, parece que os velhos questionamentos dos 33 resolveram voltar com força total, descontada a ingenuidade: dá mais 10, mais 50, mais 100, e decolando.... quem sou eu? (finalmente entendi porque as pessoas se fazem essa pergunta, aleluia!) como saber quem se é? a relatividade é relativa ou engessada nela mesma? e se o corpo não acompanhar, a memória falhar, o dinheiro não der, a esperança sumir, os relacionamentos diluírem no tempo? fazer o que sempre quis? e o que sempre se quis? bem que se quis? Acho que envelheço mais rápido.
Depois-dos-cinquenta-e-cinco tem sido um fatídico (voltei aos 20 com essa palavra!) querer viver a vida em 10 anos a mil, sem sair do lugar. Mais do que uma experiência externa, tem sido uma experiência interna. Sem dúvida, uma grande viagem de incertezas.
Acredito agora que sou menos entendida pelos outros. Não pela idade, mas pela falta de paciência em me explicar. Explico: passei a ter a tendência de pensar que tudo é óbvio, e que, se não for, será um dia – é questão de estar pronto. Então, não termino frases, não alongo comentários, a não ser quando olho em volta e vejo pessoas com cara de vírgula, ou de desvio de percurso. Aí respiro fundo e tento explicar o inexplicável: “Bom, ele poderia ter morrido” “Como? Você deseja a morte de alguém? ” “Sim, e você também! O que não quer dizer que seja a favor da pena de morte, muito pelo contrário! É só um desabafo. [tempo...] Você já leu Nelson Rodrigues? ”
Não sei bem se esse processo de tantos anos tem um platô final chamado velhice. O corpo vai mudando, desde sempre, a cada dia, até o ponto em que se olha as fotos, reconhecendo em si várias pessoas, em momentos distintos. Essas pessoas-em-uma vão se movimentando, como os desenhos que eu fazia no canto direito, no topo das páginas, que eram folheadas rapidamente, dando a ilusão de movimento. Gosto de pensar sobre isso como um eterno processo, que acaba com o fim das páginas e do corpo, e continua nas memórias de quem não lembro mais.
Continuo sem saber o que fazer da vida. Assim, vou fazendo o que me atrai, com uma liberdade mais ou menos garantida - permissão dada por mim mesma. Hoje só sei que amanhã é um bom dia para mudar de ideia! Amanhã? Quem sabe?